Mestrado em Sistemas de Energia
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Células Solares

Ir para baixo

Células Solares Empty Células Solares

Mensagem  José Leite Sáb Dez 08, 2007 9:44 pm

Células solares para a produção de energia eléctrica†
Miguel C. Brito e João M. Serra
Departamento de Física da FCUL
As questões ambientais que se colocam cada vez mais com maior pertinência, aliada à
previsível futura escassez de combustíveis fósseis, tem levado a um forte incremento na
procura de novas formas de produção de energia eléctrica baseadas em fontes limpas e
renováveis. A electricidade solar, por conversão fotovoltaica de radiação solar em energia
eléctrica, é uma das formas de responder a esse grande desafio da humanidade. Neste
artigo, primeiro de um conjunto de dois sobre electricidade solar, relata-se
resumidamente a a história do desenvolvimento das tecnologias de células solares ao
longo de mais de um século e meio.
1. Breve história das células solares
O efeito fotovoltaico foi observado pela primeira vez em 1839 por Edmund Becquerel,
que produziu uma corrente eléctrica ao expôr à luz dois eléctrodos de prata num
electrólito1. Em 1877, W.G. Adams e R.E. Day construiram a primeira célula solar baseada
em dois eléctrodos de selénio que produziam uma corrente eléctrica quando expostos à
radiação2 mas a eficiência destes sistemas era tão reduzida que o desenvolvimento de
células solares realmente interessantes teve que esperar por uma compreensão mais
completa dos semicondutores, até à descoberta dos transistores, por Shockley, Bardeen e
Brattain3 em 1947.
Os anos que se seguiram foram o início de uma intensa actividade no desenvolvimento
de células solares.
† Publicada na revista QUANTUM, nº1, 2005
1 E. Becquerel, Memoires sur les effets electriques produits sous l'influence des rayons, Comptes
Rendues 9 (1839) 561
2 W.G. Adams, R.E. Day, The action of light on selenium, in Proceedings of the Royal Society, A25,
113
3 W. Shockley, The theory of p-n junctions in semiconductors and p-n junction transistors, Bell System
Tech. Journal 28 (1949) 435; J. Bardeen, W.H. Brattain, The transistor: a semi-conductor triode,
Physical Review 74 (1948) 230
Figura 1: Extracto da patente da
primeira célula solar, registada em
Março de 1954 por D.M. Chapin e
colaboradores do Bell Laboratories.
Em Janeiro de 1954, P. Rappaport, da RCA Laboratories, publicou o primeiro artigo
sobre o efeito electro-voltaico numa junção pn exposta a bombardeamento β4 e, poucos
meses depois, em Maio, D.M. Chapin e colaboradores, do Bell Laboratory, publicaram o
primeiro artigo sobre células solares em silício – ao mesmo tempo que registavam a
patente de uma célula com uma eficiência de 4.5%5.
Ao longo dos anos a eficiência das células solares foi aumentando, tendo atingido os
10% em 1959. Na época, o preço das células solares era exorbitante: a primeira célula
solar disponível comercialmente custava $25 e produzia 14mW, ou seja $1785/W6. A sua
utilização só podia ser economicamente competitiva em aplicações muito especiais, como
por exemplo para produzir electricidade em satélites. E assim sucedeu. O primeiro
satélite equipado com células solares foi lançado logo em Março de 1958: o Vanguard I,
que tinha um painel com cerca de 100cm2 e produzia quase 0.1W para alimentar um
pequeno transmissor de 5mW. O Vanguard I esteve operacional durante 8 anos. No
mesmo ano foram ainda lançados outros três satélites mantidos com células solares: o
Explorer III, o Vanguard II e o Sputnik-3. E muitos outros se seguiram nas décadas
seguintes.
Figura 2: Imagem do Vanguard I, o primeiro satélite com uma célula
solar, foi lançado em Março de 1958 levando a bordo um pequeno painel
solar com 100cm2 visível na janela em cima à esquerda.
A situação mudou de figura em 1973, quando se deu o
choque petrolífero. A necessidade de desenvolver tecnologias de
produção de energia que não fossem baseadas nas energias
fósseis levou a um investimento em larga escala, privado mas
também público, em projectos e institutos I&D de tecnologias
solares. Foi reconhecido então, como ainda hoje o é, que o principal obstáculo à utilização
generalizada de paineis solares para produzir electricidade reside no custo, pelo que a
investigação abordou todos os modos e formas de reduzir os custos e/ou aumentar a
eficiência das células solares. Alguns dos exemplos dos desenvolvimentos que tiveram
origem nesse período pós-choque petrolífero são a produção de silício multicristalino
(significativamente mais barato que o silício monocristalino que se utilizava até então,
embora a eficiência das células seja ligeiramente inferior) ou a utilização de métodos de
processamento de células mais baratos (utilizando serigrafia para colocar os contactos em
vez de os depositar por evaporação).
Mas o tempo foi passando, e como a tecnologia solar tardava em apresentar custos e
eficiências comparáveis com as energias fósseis, enquanto novos reservatórios de petróleo
eram revelados um pouco por todo o mundo, dilatando assim o período de abundância até
4 P. Rappaport, The Electron-Voltaic Effect in p-n Junctions Induced by Beta Bombardment, Phys. Rev.
93 (1954) 246
5 D.M. Chapin, C.S. Fuller, G.L. Pearson, A New Silicon p-n Junction Photocell for Converting Solar
Radiation into Electrical Power, Journal of Applied Physics 25 (1954) 676; D.M. Chapin, C.S. Fuller,
G.L. Pearson, Solar Energy Converting Apparatus, Patente US2780765
6 Hoffman Electronics – Semiconductor Division
às muitas dezenas de anos, e os governos continuavam a financiar a construção de
centrais nucleares, o fervor solar foi esmorecendo até voltar a cair numa relativa discreção
durante os anos de oitenta.
Na última década, porém, a electricidade solar voltou de novo à ribalta, desta feita com
a percepção, por parte da opinião pública, primeiro, e dos governantes, depois, do impacto
ambiental da utilização desenfreada do petróleo, em particular com as mudanças
climáticas associadas à emissão de gases inerentes à queima dos combustíveis fósseis.
2. Presente
Em laboratório, já foram produzidas células solares de silício monocristalino com
rendimento de 24.7%7. Estas células de alta eficiência são dispositivos que requerem uma
tecnologia muito complexa como, por exemplo, processos especiais de texturização da
superfície, para reduzir a reflectividade da célula, ou a criação de campos eléctricos na
traseira da célula para reduzir a recombinação.
Um dos caminhos que tem sido explorado é o crescimento de silício cristalino
directamente na forma de fita e não em lingotes. O processo clássico de fabrico de silício
para aplicações solares consiste em crescer um cristal de silício na forma de lingote que é
cortado em fatias muito finas, com cerca de 0.2–0.3mm de espessura, onde é depois
processada a célula solar. Se o cristal de silício for crescido directamente na forma de uma
fita já com a espessura desejada, evitam-se os custos associados ao processo de corte e
reduz-se significativamente o material utilizado uma vez que se eliminam os desperdícios
de material associados ao corte8.
Uma abordagem radicalmente nova são as células solares de materiais electrónicos
orgânicos, como por exemplo polímeros semicondutores, por vezes também chamadas
“soft cells”9. Este tipo de materiais registou um desenvolvimento impressionante nos
últimos cinco anos – incluindo um Prémio Nobel da Química atribuído em 2000 pela
descoberta de polímeros condutores10 – e tem um grande potencial para aplicações
solares pelo muito baixo custo de fabrico, uma vez que o processo de fabrico é de rolopara-
rolo. Nesta fase ainda muito preliminar de investigação, as células solares orgânicas
apresentam eficiências da ordem dos 3-4%.
Uma outra componente muito relevante para a redução do custo das células solares,
para além da inovação tecnológica, é o factor económico: quantas mais células forem
fabricadas menor é o custo unitário. Um estudo entitulado MUSIC FM, financiado pela
Comissão Europeia e publicado em 199711, mostrou que, utilizando a tecnologia actual,
uma fábrica de painéis solares com um nível de produção da ordem dos 500MW anuais
7 J. Zhao, A. Wang, M.A. Green, F. Ferrazza, Novel 19.8% efficient honeycomb
texturedmulticrystalline and 24.4% monocrystalline silicon solar cell, Applied Physics Letters 73
(1998) 1991
8 R. Gamboa, Desenvolvimento de técnicas de processamento do silício para aplicação fotovoltaica,
Tese de Doutoramento, FCUL (2002)
9 J. Nelson, Organic photovoltaic films, Current Opinion in Solid State and Materials Science 6 (2002)
87
10 A.J. Heeger, A.G. MacDiarmid, H. Shirakawa, for the discovery and development of conductive
polymers Nobel Prize in Chemistry (2000)
11 T. Bruton, et al, Multimegawatt upscaling of silicon and thin film solar cell and module
manufacturing - MUSIC FM, Final Report RENA-CT94-0008 (1997)
levaria a uma redução dos custos dos painéis solares para valores competitivos com a
energia convencional (1€/Wp).
Esta verdade insofismável levou ao financiamento público da electricidade solar,
primeiro no Japão e mais tarde em alguns países da União Europeia e nos Estados Unidos
da América, nomeadamente através de programas de incentivos fiscais e subsídios
diversos incluindo, muito recentemente, as chamadas “tarifas garantidas”: as pessoas
instalam painéis solares nos seus telhados, não para produzir a electricidade para
consumir mas para a vender, a uma tarifa garantida e subsidiada, às redes de distribuição
de energia eléctrica.
O resultado práctico deste tipo de incentivos foi a “explosão” do mercado da energia
solar, que tem registado nos últimos anos um crescimento consolidado superior a 30% por
ano.
3. Conclusões
Ao longo de mais de um século o efeito fotovoltaico passou de um interessante mas um
pouco esotérico fenómeno da natureza para uma forma de produção de electricidade limpa
e renovável em franca expansão a nível global. Este desenvolvimento foi conseguido
através de um enorme e permanente esforço de investigação e inovação.

José Leite

Mensagens : 1
Data de inscrição : 08/12/2007

Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos